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Atualmente há um fenômeno de espetacularização da realidade e “propagandização” da vida corrente. Isso se dá, sobretudo, com o uso desmedido das redes sociais.

Há uma diferença entre cultura nos sentidos humanista e diversionista. A primeira consiste na apresentação de um padrão de excelência. As grandes obras de arte normalmente têm duas características: apuração técnica ou formal e conteúdo moral perene, que permanece durante longo tempo. Nessa dimensão edificante, a arte registra um padrão moral no horizonte de uma cultura, mantendo vivos os modelos que estimulam e motivam. São exemplos a “Ilíada” de Homero, em que há o estabelecimento do padrão moral do guerreiro (Aquiles); e o padrão de excelência intelectual desenvolvido por Platão, a partir do ser humano concreto que foi Sócrates. Nós também temos de ser heróis no sentido ético, de quem busca sempre a superação, a excelência, a perfeição da existência. Hoje, no entanto, do ponto de vista moral, as pessoas não têm a quem seguir.

A cultura em essência tem como objetivo básico manter viva a chama dos modelos que nos estimulam, que nos motivam. A cultura do mero entretenimento, diversionista, a cultura pop, se torna um produto para a fruição imediata e esquecimento em seguida. Nossa época é marcada pelo consumismo: a ideia de que podemos comprar produtos e experiências, e esgotá-los para consumi-los novamente no dia seguinte. O mercado oferece produtos que logo se tornam obsoletos, gerando a ideia de descartabilidade. E surge o frenesi pelo novo, pelo diferente, pela novidade. Tudo isso se completa com o materialismo, uma corrente que acredita nas circunstâncias concretas e materiais como principal meio de explicação da realidade e seus fenômenos sociais, históricos e mentais. Além disso essa ideia de descartabilidade se estende dos objetos para o todo, passando a ser vista como a correta para os seres e para a natureza.

Zygmunt Bauman (sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia) percebe que a lógica do consumo é projetada nas relações sociais, as quais se tornam descartáveis e substituíveis. O resultado da cultura do espetáculo consumista, da descartabilidade, é a total alienação, ou seja, a ausência de um núcleo, do perene, do que permanece, do que sempre está ali como referência para a existência. Fica-se perdido, solto na vida, sem um norte, sem uma bússola.

A cultura do espetáculo também se dá no nível da informação. Vivemos em um mundo de informação diária, também chamado de jornalismo (da palavra francesa jour = dia). O ser humano tem três dimensões de tempo: passado, presente e futuro. Mas, no “presenteísmo”, sentimonos escravizados pelo hoje; quer se saber o que está acontecendo agora, sempre em busca do novo daquele momento presente, sem a preocupação e a busca da análise daquele evento na escala do tempo e da vida. Com isso, as coisas não têm duração, permanência, estabilidade ontológica. Não há conhecimento para interpretar os dados, a informação apresentada.

O mecanismo de um story é um exemplo eloquente disso, pois em 24 horas ele desaparece. Isso mostra a dimensão líquida do tempo e da experiência. Do mesmo modo, a lógica da ciência contemporânea de atualização periódica, imediata, sem uma avaliação profunda, implodiu o conhecimento científico. O resultado da informação constante, recorrente, incessante é a obstrução da inteligência, pois esta precisa fincar raízes em algo sólido, ou seja, precisa de formação, de elaboração.

A cultura jornalística descartável e comercial se dá principalmente pela primazia do visual sobre o verbal. Desde o século XX, com a ascensão dos meios visuais de comunicação de massa, houve uma saturação de imagens e progressiva decadência verbal. A saturação de imagem priva a capacidade de imaginar. A tela oferece o cenário pronto, não se imagina, não se cria a partir da leitura, da interpretação. Não é só o erro gramatical que está em jogo aqui, mas a perda da capacidade racional e especulativa de usar o pensamento.

René Noël Théophile Girard foi historiador, crítico literário, antropólogo, filósofo, teólogo, sociólogo, filólogo francês e professor de literatura comparada na Universidade de Stanford, Califórnia, sendo o autor da Teoria Mimética. Segundo essa teoria, há uma inclinação natural do ser humano a formar comunidades. Somos seres miméticos que desejam o que os outros lhes fazem desejar. Todo desejo é inspirado em um modelo que torna o objeto desejável. Se for um modelo próximo no tempo e espaço, torna-se um concorrente. Mas há modelos distantes de nós, no tempo, no espaço e especialmente no horizonte espiritual, com os quais não nos comparamos, porque não os podemos alcançar. Segundo Girard, na sociedade aristocrática, um aristocrata era quem cultivava a excelência, e assim existia uma referência externa à pessoa, e que lhe servia de orientação para uma possível imitação e que gerava a integração. Na sociedade democrática e liberal contemporânea, porém, todos estão igualados. Logo, há uma crise mimética em que um imita e quer estar no lugar do outro. Com isso não há uma ação em busca do superior e fica-se apenas no nível horizontal, todos no mesmo nível.

A lógica do consumismo se complementa com o exibicionismo das redes sociais. O ímpeto originário é positivo: alguém que compartilha uma coisa boa gostaria que os outros também a tivessem. No entanto, acaba gerando inveja e orgulho. A inveja é querer ocupar o lugar do outro, enquanto o orgulho é querer ser invejado. O narcisismo (exporse, apresentar-se vaidosamente) e o voyeurismo (querer ver os outros, invadir sua vida privada) se complementam.

Um like nas redes sociais significa não apenas que alguém apoia aquilo, mas também quer participar do que acontece. Há uma simbiose entre aprovar, compartilhar e imitar. Por isso, as redes sociais são uma cadeia mimética interminável.

A cultura do espetáculo, do consumo e da rivalidade mimética tem um efeito moral muito específico: a falta de introspecção, sem a qual não há autoconhecimento. A intimidade e a interioridade se perdem e, sem elas, não há como amar e relacionar-se efetivamente com as pessoas. O que temos é uma sociedade espectral da aparência, da imagem e, portanto, da vaidade.

O homem antigo tinha como momentos de pausa o teatro, a música e a arte contemplativa, como também as liturgias, em que estava diante de algo totalmente distinto de si. Com o passar do tempo, o teatro passa a se aproximar dos dramas cotidianos; vide as novelas. As artes plásticas e a arquitetura também sofrem um processo de realismo, que se torna mais concreto com o cinema e a televisão na comunicação de massas, e ainda mais agudo com o uso do celular.

Antes, sabia-se mais ou menos quais eram as possibilidades do ser humano, por causa da formação a que se era exposto. Hoje, há uma diminuição do conhecimento das possibilidades superiores, por causa da tendência ao realismo na formação e na cultura. Uma parte das neuroses e sofrimentos aparece porque o ser humano está olhando para outros seres humanos, fomentando o que Girard expôs: um ciclo de vaidade e orgulho. Não se olha mais para os seres de maior sabedoria, conhecimento, com admiração, com referência. E quando se olha, tem se agido para desmerecer, ridicularizar, desvalorizar essas fontes de saber.

Sem um projeto de grandeza, de elevação e de desenvolvimento do saber e da espiritualidade, não há educação, formação e cultura sólida e se desce ao nível fisiológico, animal, do instituto puro, do prazer imediato, valendo apenas o momento. E o resultado social da animalização é o caos social e a desintegração da sociedade.



Dr. Carlos Hanzani
Médico Homeopata e Psicanalista

 

 

 

 

 

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