Cuidando de quem cuida: a saúde mental dos acompanhantes no enfrentamento do câncer

Silenciosamente, enquanto uma pessoa enfrenta o tratamento contra o câncer, alguém ao lado dela está lidando com uma batalha menos visível, mas igualmente exaustiva. São os cuidadores — familiares que acompanham consultas, organizam a medicação, oferecem suporte emocional e muitas vezes colocam a própria vida em pausa. Mas quem está cuidando dessas pessoas?

Marina e Carla são irmãs. Brasileiras vivendo nos Estados Unidos há mais de dez anos, sempre se apoiaram uma na outra desde que chegaram ao país. No ano passado, a rotina mudou drasticamente quando Carla recebeu o diagnóstico de câncer de mama. Marina assumiu o papel de cuidadora quase que naturalmente. A irmã mais velha, protetora, logo começou a acompanhar Carla em todos os exames e sessões de quimioterapia. Mas entre entender o sistema de saúde americano, lidar com os planos médicos e traduzir termos complexos do inglês, o cansaço emocional de Marina crescia silenciosamente.

“Eu me sentia culpada por estar cansada, porque quem estava com câncer era ela, não eu. Mas, no fundo, eu também estava adoecendo”, conta. O medo de errar na tradução de algo importante, a insegurança em fazer perguntas aos médicos, a solidão de não ter com quem dividir tudo aquilo em português — tudo isso foi se acumulando.

Esse tipo de situação é mais comum do que se imagina, especialmente entre imigrantes brasileiros que vivem nos Estados Unidos. Muitos cuidadores não falam inglês fluentemente, desconhecem seus direitos no sistema de saúde e, por isso, se sentem perdidos. De acordo com o National Cancer Institute, mais de 60% dos pacientes com câncer dependem de um cuidador informal — alguém da família ou um amigo próximo, sem preparo técnico, mas com disposição de sobra para estar presente. Ainda assim, pouco se fala sobre como essas pessoas estão emocionalmente.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que cuidadores familiares têm maior risco de desenvolver estresse, ansiedade, depressão e até sintomas físicos como dores crônicas, insônia e fadiga. O Instituto Nacional de Câncer (INCA), no Brasil, também reforça que o cuidado contínuo exige não apenas disponibilidade física, mas equilíbrio emocional — e que a negligência com a saúde mental do cuidador compromete a própria qualidade do cuidado oferecido ao paciente.

A carga não é só prática. A parte emocional é, muitas vezes, a mais difícil. O cuidador se vê na obrigação de ser o alicerce da outra pessoa, de manter a esperança viva, de estar sempre forte. Mas ninguém consegue sustentar isso por tanto tempo sem apoio.

A American Psychological Association destaca que suprimir constantemente as emoções, fingindo que está tudo bem, pode levar a quadros de esgotamento mental severo. Esse tipo de desgaste emocional já tem até um nome: síndrome do cuidador, uma forma de estresse crônico que surge quando a pessoa se dedica intensamente ao outro, mas negligência suas próprias necessidades.

Por isso, é essencial reconhecer que o cuidador também precisa de cuidado. Segundo o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), cuidadores que não contam com apoio emocional têm o dobro de chances de desenvolver transtornos de humor e ansiedade em relação à população geral.

Alguns sinais de alerta podem indicar que o cuidador está sobrecarregado:

  • Irritabilidade frequente
  • Alterações no sono e apetite
  • Sentimento constante de culpa por descansar ou se ausentar
  • Falta de prazer em atividades simples
  • Isolamento social

Ignorar esses sinais pode aprofundar o sofrimento e comprometer toda a estrutura de apoio ao paciente. Mas há caminhos possíveis. De acordo com o INCA e a OMS, algumas atitudes podem ajudar:

  • Reservar pequenos momentos diários para si, mesmo que breves
  • Participar de grupos de apoio, presenciais ou online, especialmente em português
  • Buscar ajuda psicológica, mesmo que preventivamente
  • Pedir ajuda. Delegar tarefas não é sinal de fraqueza, é sinal de inteligência emocional

Cuidar de alguém é um ato nobre. Mas para continuar cuidando com qualidade, é preciso estar bem. Não existe força onde há exaustão. E o amor, para ser saudável, precisa de equilíbrio.

É hora de olharmos com mais atenção para quem está nos bastidores dessa jornada.
A irmã, o irmão, o filho, o companheiro — quem está ali todos os dias, tentando não demonstrar o próprio cansaço.

Se você conhece alguém que está cuidando de um ente querido em tratamento, observe. Pergunte se essa pessoa já comeu, dormiu bem, se teve algum tempo só para ela. Ofereça ajuda prática: levar uma comida pronta, revezar em uma consulta, ou simplesmente escutar sem julgar. São gestos pequenos, mas que fazem uma diferença enorme.

Cuidar de quem cuida é, também, uma forma de salvar vidas.

Fontes oficiais consultadas:

  • Instituto Nacional de Câncer (INCA) – www.inca.gov.br
  • Organização Mundial da Saúde (OMS) – www.who.int
  • National Cancer Institute (EUA) – www.cancer.gov
  • Centers for Disease Control and Prevention (CDC) – www.cdc.gov
  • American Psychological Association – www.apa.org