“Foi meu amigo de verdade … ” Sempre me soa muito estranha esta frase. Como amigo de verdade? Há uma escala? Há amigos de mentira?
Na verdade, o que aconteceu foi uma banalização não só do termo, mas do conceito e das atitudes. Frequentemente, chama-se pessoas da convivência de amigo com muita facilidade. A maioria vai dizer: “Ah, é só um jeito de falar.” Mas não; no fundo, não é isso. No fundo há uma falta de seriedade no relacionamento humano.
Como parte de uma enorme crise de valores e princípios, há uma perda do respeito e do valor da relação humana. Nos relacionamentos da jornada da vida, há desconhecidos, há colegas de estudo, de trabalho, de esportes, de passeios, de diversão. Há companheiros, conhecidos, pessoas de relacionamento comercial, profissional etc. Mas amigo… Amizade é outra coisa.
As pessoas falam essa palavra com muita facilidade, de forma muito banal. Mas é uma palavra muito preciosa. “Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração…” com bem diz o grande Milton Nascimento em sua “Canção da América”. Amizade é quando você tem um sentimento de afeição, de apreço, de simpatia muito grande, de conexão, de sincronicidade com outra pessoa. Amigo é uma coisa rara, é a família que a gente escolhe.
O amigo entende o outro no olhar, no silêncio. Há uma sincronicidade de essência para essência, de índole para índole. Os amigos são complementares, mas os valores que os une são os mesmos. O amigo é verdadeiro.
Ele pode lhe falar coisas duras, difíceis, apontar defeitos, erros, comportamentos e atitudes ruins suas, mas com profundo afeto, amor e carinho. Ele vai criticá-lo(a) para vê-lo(a) melhor, para ajudar no seu crescimento e desenvolvimento. Fará uma crítica construtiva, ou seja, aquela que ajuda na solução, mas nunca na frente dos outros, e sim sempre em um ambiente particular.
Amigo é aquele que exorta, que corrige os desvios, que relembra a sua verdadeira identidade, que mostra a você a verdadeira direção. Sabe ser duro quando é necessário dar uma chacoalhada. Sabe dizer a palavra certa ainda que coloque em jogo a sua amizade para salvar o amigo de um abismo.
“A amizade perfeita apenas pode existir entre os bons”, dizia Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C., filósofo da Grécia Antiga). Amigo não é cumplice quando o seu amigo cai na vulgaridade. Entre aqueles que se unem para praticar um crime, uma contravenção ou para compartilhar uma crítica mesquinha, isso é cumplicidade, e obedece apenas a interesses.
Buscar fazer uma amizade na expectativa de ter ganhos é, na verdade, egoísmo. Relação assim terminará pelo esgotamento dos interesses mútuos. Amizade é uma posição de doar ao outro, de ajudar, apoiar o outro.
Nos diz Sêneca (filósofo estoico e um dos mais célebres escritores e intelectuais do Império Romano, do período de 4 a.C. a 65 d.C.): “Se fazemos um amigo para que ele nos tire dos grilhões, nós o veremos, na primeira oportunidade, fugir”. São as amizades “de circunstância”, como se diz. Ainda nos ensinamentos de Sêneca: “O amigo escolhido por interesse nos agradará enquanto for útil. Por isso, os homens prósperos são assediados por uma multidão de amigos, mas, após um reverso da fortuna, à sua volta, só haverá um deserto. A relação que tu me descreves é comércio e não amizade.”
Completando com ensinamentos de Plutarco (filósofo grego, 46 d.C. a 120 d.C.) em seu livro “Como distinguir o bajulador do amigo”, ele cita que “o bajulador é como um carrapato grudado à orelha de quem ama a glória”. Ou seja, no dito popular dos dias atuais, é o puxa-saco. Os aduladores são aqueles que fazem de conta que acreditam na autoimagem do vaidoso, adulam essa sua máscara, quando, na verdade, querem apenas explorá-lo.
O sentimento de amizade é cultivado e para crescer precisa da humildade. A escuta entre amigos tem de ser feita com humildade, sem a vaidade. Amizade não passa por sedução e sim por aceitação. Na amizade não há inveja.
O amigo é ser zeloso da alegria e da felicidade do outro. Resultado de uma amizade é sempre fator de soma e até de multiplicação. A amizade não se estabelece por carência, mas por abundância.
Amigo é o que contribui para sua evolução. Existe um pacto silencioso dentro da amizade. Vamos crescer juntos, e você vai ser uma boa razão para que eu cresça, se não cresço por mim, cresço por você e vice-versa.
Friedrich Nietzsche (filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX, nascido na atual Alemanha) diz que a “amizade é quando duas pessoas se unem em busca de alguma verdade mais elevada.” A verdadeira amizade é uma união em torno da ascensão da consciência ou ápice das suas possibilidades, é um trabalho, é um esforço conjunto em prol da evolução como seres humanos. A amizade é reconhecida como um ponto de encontro entre aqueles que rumam em direção ao melhor de si.
E a mais importante amizade é a consigo próprio. O ser humano que é amigo da sua própria essência, dotada de princípios, valores e virtudes, que é amigo dessas leis que regem o Universo e levam tudo de volta para a unidade, encontrou a si próprio profundamente, e com isso ele fez a primeira e a essencial de todas as amizades: a amizade com a sua verdadeira identidade. Se eu sou profundo em relação a mim mesmo, posso estabelecer laços profundos com os demais. Nas palavras de Cícero (advogado, político, escritor, orador e filósofo romano, 106 a.C. - 43 a.C.): “Pois aquele que tem mais confiança em si, aquele que está tão bem armado de virtude e de sabedoria que não tem necessidade de ninguém e sabe que traz tudo dentro de si, este se sobressai sempre na arte de ganhar amizades e de conservá-las.”
Para os dias bons, sorrimos… Para os dias ruins, paciência… Para todos os dias, o amigo.
Dr. Carlos Hanzani
Médico Homeopata e Psicanalista